Na noite de 27 de fevereiro de 1959, uma sexta-feira, em torno das 23h, quando estava estacionada na Rua do Comércio, em frente a Prefeitura Velha, a "Gata Preta" foi roubada misteriosamente, enquanto se realizava uma reunião da direção do Partido de Representação Popular (PRP) no Stúdio Fotográfico de Alfredo Beck. O Prefeito era Lothar Friederich, que pertencia ao PRP, e a Gata Preta era seu carro oficial.
Pesquisas e texto do professor Hilário Barbian*
Histórico
Ao longo da história de Ijuí não houve nenhum outro carro oficial do Prefeito que fosse tão conhecido, tão comentado e também tão criticado quanto a "Gata Preta".
No final da década de 1950 e inícios de 1960 não havia munícipe que desconhecia a história da "Gata Preta". Os que nasceram depois de 1960 – que tem hoje no máximo 45 anos – não tomaram conhecimento de todas as intrigas, roubos, desavenças e, sobretudo, seu espetacular resgate de uma Província da Argentina para onde tinha sido levada depois de um duplo roubo.
Já os que têm mais de 55 anos lembram, às vezes com detalhes, a história que o tempo teima em não apagar. Simplesmente porque entre 1952 e 1965 – por um período de 13 anos – a "Gata Preta" era presença constante, quando não obrigatória, nas conversas entre funcionários da Prefeitura, políticos e demais pessoas. Principalmente, depois de fevereiro de 1959, quando foi furtada em pleno centro de Ijuí.
O que foi a "Gata Preta"
O Mercury Sedan, ano 1948. Acima e abaixo fotos ilustrativas extraídas da internet |
Em Ijuí era o carro mais bonito, mais luxuoso e o mais cobiçado por homens de poder e de dinheiro. Onde quer que chegava, despertava enormes atenções. E mais ainda quem dele saía, tal o glamour que o envolvia. Para se ter uma idéia, em todo município houveram apenas mais três Mercury pertencentes a Franklim Thomé da Cruz, Atílio Berno e família Noronha.
O que pertenceu à Prefeitura serviu aos Prefeitos Ruben Kessler da Silva, Lothar Friedrich, Beno Orlando Burmann, Eugênio Michaelsen (terminou o mandato de Burmann) e Walter Müller (que o leiloou em 1965).
A "Gata Preta" foi comprada Zero Km por Ruben Kessler da Silva no início da sua administração, em 1952, com a finalidade de servir como carro oficial do Prefeito. A compra visava levar um alívio financeiro a Leopoldo Hepp, dono da Revenda FORD em Ijuí, que como Presidente da SOGI - que estava em construção - tinha empenhado muitos recursos próprios que o levaram a uma situação difícil. Kessler da Silva, ciente da sua situação, decidiu ajudá-lo com a compra da "Gata Preta", já que o Gabinete precisava de um automóvel.
Embora tendo sido adquirida em 1952, na condição de Zero Km, a "Gata Preta" foi fabricada em 1948, nos Estados Unidos. O tempo da demora explica-se em razão das dificuldades subseqüentes à 2ª Guerra Mundial, aliado ao tempo necessário ao transporte de navio e à importação.
Porque o nome 'Gata Preta'
O que desperta curiosidade é a origem do apelido "Gata Preta" para um carro Mercury, da FORD. Segundo vários entrevistados o apelido deve-se ao fato do carro ter desenhado no painel uma gata preta, cujo desenho deixou de existir em modelos de 1949 em diante. A partir deste desenho é que o automóvel passou a ser tratado por motoristas e mecânicos da garagem municipal por "Gata Preta".
A expressão “a Mercury do Prefeito” simplesmente não pegou e foi ignorada. De motoristas e mecânicos, o apelido logo estendeu-se ao domínio público e o carro, onde chegava, imediatamente era identificado como a "Gata Preta". E com este charmoso apelido passou à história de Ijuí.
A bem da verdade, o que motoristas e mecânicos definiram apressadamente como “Gata Preta” era o brasão da Família Ford, representado por uma “Pantera Negra”, cujo símbolo passou a ser colocado em diversos carros da linha FORD. Do brasão constituído por uma “Pantera Negra”, os ijuienses fizeram uma leitura criativa e não tiveram dúvidas em cunhar o carro do Prefeito com o sugestivo nome: a "Gata Preta".
Em inúmeras entrevistas realizadas ao longo de mais de um mês de pesquisa, aflorou em diversas conversas que, além do roubo da "Gata Preta", o automóvel foi usado muitas vezes para conduzir homens ávidos por noitadas de farra, magia, orgasmo e prazer em diversos prostíbulos de Ijuí e mesmo de cidades da região. Mas os entrevistados sempre deixaram claro que isso acontecia sem o conhecimento dos Prefeitos.
O Roubo da 'Gata Preta'
Era noite de 6ª feira, dia 27 de fevereiro de 1959. Uma reunião política estava em andamento. Na Foto Beck, de propriedade de Alfredo Adolfo Beck, na rua do Comércio, onde hoje se situa a Loja Beck's, realizava-se a reunião da direção do PRP – Partido de Representação Popular – que na época administrava o município. O Prefeito Lothar Friedrich chegou ao local dirigindo ele mesmo a "Gata Preta". Estacionou o carro e foi participar da reunião. Junto, no porta-luva, ficaram os documentos do veículo. Na época não se temiam roubos. Afinal, todos conheciam todos.
Quando terminou a reunião o Prefeito se dirigiu ao carro. Mas cadê a "Gata Preta"? Ela simplesmente havia sumido. Investigações preliminares não levaram ao seu paradeiro. Como de praxe foi registrada queixa na Polícia. O jornal Correio Serrano na sua edição de 4 de março de 1959, quarta-feira, fez o registro na crônica policial: “Na noite de sexta para sábado, aproximadamente às 23 horas foi roubado da frente da Foto Beck, onde encontrava-se estacionado, o automóvel Mercury, preto, ano 1948, pára-sol verde, porta traseira amassada, motor nº 799 A 201.8079, placa branca 2 – 81 – 78, pertencente à Prefeitura Municipal. A polícia cientificada da ocorrência, logo após, procedeu várias diligências e manteve contato com as autoridades policiais da comunas vizinhas (...) e com a polícia catarinense e costeiras com a República Argentina”.
Informa ainda a notícia do Correio Serrano que diligências iniciais da Polícia constatou que a "Gata Preta" passou por Chorão e seguiu para a Linha 30 – hoje Ajuricaba – “tendo tomado a rumo de Palmeira das Missões onde desapareceram os indícios”. As investigações da Polícia estavam corretas. A "Gata Preta" efetivamente tinha tomado aquele rumo.
Chama atenção a providência da Polícia em comunicar as Delegacias de Santa Catarina e as que estão localizadas ao longo da fronteira com a Argentina. A preocupação tinha procedência uma vez que na época – hoje tomam o rumo do Paraguai - os carros roubados tomavam a direção da Argentina, principalmente, à Província de Misiones, que se situa do outro lado do Rio Uruguai. E, secundariamente, à República do Uruguai.
Os Destinos da 'Gata Preta'
A partir do roubo o carro percorreu caminhos que só muito depois puderam ser reconstituídos. Efetivamente, os três homens envolvidos no roubo tomaram o caminho que demandava a Chorão, Ajuricaba, Panambi (onde abasteceram o tanque colocando a conta em nome da Prefeitura) e, finalmente, Palmeira das Missões. Nesta cidade, os três “caíram na zoiera”, isto é, foram completar a noite fazendo a festa num prostíbulo. Até ali tudo tinha transcorrido em perfeita ordem.
Já no sábado resolveram esticar a festa rumando para Carazinho onde caíram em outro bordel. De festa em festa, o roubo ia se consumando sem que em Ijuí se descobrisse o paradeiro da Gata Preta. Segundo uma versão, de Carazinho o luxuoso carro foi conduzido por precárias estradas até Foz do Iguaçu, onde teria sido comercializado por quatrocentos mil cruzeiros. De lá tomou o rumo de uma cidadezinha do interior de uma província da Argentina.
Aparece um dos três Envolvidos
Após minuciosas investigações, checagem de informações e contra-informações, acabou por ser preso nas cidades de Dionísio Cerqueira e Barracão, dois dos envolvidos, sendo um deles o próprio motorista da Gata Preta: Adolfo Seib, que era também funcionário da Prefeitura. Conduzido a Ijuí, passou a responder processo, sendo condenado a dois anos de prisão, que cumpriu na penitenciária do bairro da Penha, perto do 27º GAC.
Tido como bem apresentável, falante, galanteador e fanfarrão, Adolfo Seib garantiu que foi envolvido na história do furto do carro por outras pessoas e que por trás tinham outros interesses, até político-partidários. Para sua mãe, Adolfo jurava: “Mãe, não tava sabendo de nada.Fui envolvido e fui enganado. De tanto desgosto em ver seu filho, que então tinha apenas dezoito anos, envolvido num caso tão rumoroso, ela veio a falecer seis meses depois da prisão do filho – antes já estava adoentada. Adolfo Seib ganhou permissão para acompanhar parte do velório e assistir ao enterro da mãe, sempre acompanhado por policiais.
Fonte: Internet. http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/906091/lei-562-59-ijui-0 |
Fontes
Antônio Luiz Beck de Mello, Beno Orlando Burmann, Walter Muller, Sady Strapazon, Juarez Aires da Silva, Guilherme Rodrigues Beck, Irene Weber Franzen, Jolmar Antônio Basso, Argemiro Jacob Brum, Lorena Therezinha Jung e Flávio Friedrich. Jornal Correio Serrano – 04/mar/1959.
* Este artigo originalmente foi publicada inicialmente no Jornal Hora H. Atualmente o mesmo foi editado por seu autor e reproduzido no dia 14/07/2011, no Portal Ijuí.Com. Disponível em: http://www.ijui.com/especiais/historia-em-foco/23309-o-duplo-roubo-da-gata-preta-em-1959-o-carro-oficial-do-prefeito-de-ijui-por-hilario-barbian
A história e vida de um motorista de confiança de 5 prefeitos de Ijuí - que também dirigiu a "gata preta":
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