terça-feira, 7 de maio de 2013

Dr. Martin Fischer e Charlotte Wollermann - Uma linda história de amor!

Casal Martin Fischer e Charlotte Wollermann em 1969.
Série Dr. Martin Fischer número 07 - (especial para o Blog):


        Todo ser humano, independente de sua cor, raça, língua, condição social, credo, país, trás dentro de si a ânsia de encontrar seu grande amor, aquele que resgatará os sentimentos mais profundos de sua alma e caminhará ao seu lado, tornando mais feliz esta existência.
Existem histórias de amor que ultrapassam a barreira do tempo, das dificuldades, marcando profundamente aqueles que trazem consigo um amor na sua essência.
Martin Fischer
No ano de 1933, conforme informações no passaporte que se encontra dentro do Arquivo do Museu Antropológico Diretor Pestana, chegava ao Brasil em companhia do Dr. Martin Fischer aquela que foi sua companheira inseparável .
Charlotte Wollermann, também conhecida como "Dona Carlota", nasceu em Bartenstein/Alemanha em 27/11/1902. Tinha vinte e cinco anos a menos que seu grande amor Dr. Martin Fischer, entretanto essa diferença de idade nunca foi uma dificuldade na convivência do casal. Também embora em muitas correspondências ele tenha se referido a Charlotte como “sobrinha”, não conseguimos chegar através de nossas pesquisas, a qualquer documento que comprovasse que realmente existia esse tipo de parentesco entre eles.
Quando Fischer chega pela primeira vez ao Brasil em 1921, encontramos na certidão de registro de estrangeiros (MADP 0.6.4 pasta 02 documento 4) o seu estado civil como “divorciado” de Hedwig Ohlrogge, casamento de pouca duração. Pois traduzindo cartas em alemão escritas por ele, entendemos que ter vivenciado e sofrido na pele os horrores da Primeira Guerra Mundial, fizeram com que ele repensasse o que desejava para o seu futuro e não tinha mais condições emocionais para manter um casamento sem amor.
Charlotte
 Amor este que após anos encontrou ao lado de sua Charlotte, que deixou a Alemanha, sua família, e trabalho para se aventurar com Fischer nas terras do Brasil. Também nas terras da Argentina, onde conviveu com amigos da Europa na Vila "La  Germânia", passeios ao zoológico e uma vida  confortável. Mas com o avanço do nazismo, surge a  decisão difícil de retornar ao Brasil e viver na propriedade rural em Iraí, SC, sem grandes luxos, trabalhando com Fischer lado a lado. Enfrentando o golpe do sócio Antonio Pauly, a falta de dinheiro e a prisão de Fischer por denuncias de que ele era espião nazista. (Ver outro artigo que relata mais detalhadamente a vida do casal em Iraí e as dificuldades que lá enfrentaram: http://ijuisuahistoriaesuagente.blogspot.com.br/2012/08/serie-dr-martin-fischer-03-sobrevivente.html
Quando lemos as cartas, telegramas, bilhetes, trocados por Charlotte e Martin em suas longas viagens, conseguimos perceber a grandeza desse amor, a preocupação que  tinham um com o outro. A vontade de ter uma casinha simples, onde Charlotte poderia plantar vasos de flores. E não podemos deixar de nos emocionar com a carta do Natal de 1944, onde Charlotte grávida escreve a Martin "... se Deus quiser, no Natal do ano que vem, vamos ser muito, muito felizes, nós dois em companhia do ser mais querido que pode existir neste mundo para ti e para mim”... (MADP 0.6.4 pasta 05 documento 232). E a tristeza do nascimento do filho “natimorto”, após um parto que quase a leva também a morte...  Ela escreveu "...vieram me falar de um bebê que nasceu em Porto Alegre todo saudável, como podem desconsiderar assim a dor da perda que tivemos...”.
Fotos do álbum de família de Charlotte onde aparece ela, sua irmã Hilda, seeu pai, mãe e irmãos.
 Sentimentos, transformados em palavras, palavras perpetuadas em frases de carinho e amor que perpassam o papel e nos comovem "....Sejas aonde for, os meus pensamentos e meus desejos estão contigo com todas saudades. Eu te beijo e te abraço, ficando sempre a tua Carlota”. (MADP o.6.4 pasta 05 documento 234). 
Neste terreno, numa velha casinha de madeira, na rua Germano Gressler, 45 por muitos anos morou o casal Fischer
 E o casal Fischer viveu em Ijui, uma vida simples, na velha casinha de madeira, na rua Germano Gressler, número 45, unidos pela sua cumplicidade, dificuldades, alegrias, tristezas,  com um amor inabalável.
 Em 16 de setembro de 1979, Martin Fischer deixa sua vida terrena, para continuar sua trajetória no mundo espiritual.
 Charlote faleceu no dia 14 de fevereiro de 1987, foi encontrada morta por sua vizinha. Não teve homenagens, nem manchetes nos  jornais,  também não foi decretado luto oficial na cidade .
As fotos acima do álbum de família de Charlotte Fischer fazem parte do acervo do MADP de Ijuí.
  Mas ela sabia que nada disso era necessário, pois o que realmente importava era que o Universo já comemorava enfim, o reencontro de duas almas que se amavam verdadeiramente.

Pesquisadora e historiadora Márcia Adriana Krug

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Movimento da Legalidade em 1961 - reações e repercussões em Ijuí - parte III - final


Entenda o Movimento da Legalidade, a luta pela resistência democrática e constitucional

        O ano era 1961. O mês, agosto, um mês sempre recheado de surpresas. A Guerra Fria, confrontando Estados Unidos e União Soviética, já mantinha forte influência em todo o mundo. No Brasil, um governante polêmico, irônico, até certo pouco estranho, decide renunciar à presidência da República, alegando “forças ocultas” até hoje não bem explicadas.Era Jânio Quadros, o homem da vassourinha, que prometia varrer a bandalheira, mas que conseguia mesmo era conturbar o cenário político nacional.
    O vice-presidente João Goulart, conhecido como Jango, gaúcho de São Borja, herdeiro político natural de Getúlio Vargas, está em viagem à República Popular da China, um dos berços do comunismo. Sua posse como presidente, após a renúncia, deveria ser automática, cumprindo a carta magna. Mas não é bem assim.
       A data é 25 de agosto, Dia do Soldado. O então governador do Estado, Leonel Brizola, começa a pressentir que as forças militares e conservadoras, capitaneadas pelas elites do centro do país, estão arregimentando uma estratégia para dar um golpe de estado, assim como tentaram em 1954, forçando Getúlio a tirar a própria vida.
       O marechal Lott, derrotado por Jânio nas eleições de 1960, divulga um manifesto firme em defesa da constituição e da posse legítima do vice-presidente Jango. Rádios do Rio Grande do Sul que divulgam o manifesto começam a ser fechadas. Prevendo que poderá ficar sem ter como comunicar-se com a sociedade, Brizola requisita os transmissores da Rádio Guaíba, a única ainda em funcionamento na capital.

      Soldados da Brigada Militar, a pedido do governador, vigiam as torres de transmissão, evitando a aproximação do exército. Uma equipe técnica monta os equipamentos nos porões do Palácio Piratini, de onde começam a ser transmitidas mensagens, discursos inflamados e informações, 24 horas por dia. Mais de cem rádios espalhadas pelo Estado e pelo país, unem-se e formam a Cadeia da Legalidade, mantendo o propósito de resistência através das ondas do rádio (o meio de comunicação mais dinâmico e utilizado na época).
       Líderes políticos de todas as correntes e vinculações partidárias, além de jornalistas e repórteres, refugiam-se no palácio, que até mesmo sofre ameaças de ser bombardeado por caças da aeronáutica, saindo da base de Canoas. Barricadas e metralhadoras são posicionadas no teto e nos jardins do Piratini e na cúpula da catedral metropolitana.
       Entendendo o apelo de Brizola, a sociedade gaúcha sai às ruas. Jovens, mulheres, homens, pessoas de mais idade, todos unidos, lotam a Praça da Matriz, em frente ao palácio, e não arredam o pé. Se bombardearem o palácio, bombardearão o povo. Revólveres Taurus são distribuídos à população, já pronta para uma guerra civil.
      O general Machado Lopes, do III Exército, sediado no Rio Grande do Sul, no primeiro momento cumpre as ordens do comando militar nacional. Mas nos dias seguintes, entendendo que o movimento liderado por Brizola é legítimo, se engaja na luta pela Legalidade, e coloca as forças do Exército a disposição de João Goulart, garantindo e dando suporte ao retorno de Jango ao país, entrando pelo nosso Estado.
      Após tanta mobilização, que contou com o apoio de outras lideranças espalhadas pelo país, com destaque para o governador de Goiás, Mauro Borges, o vice-presidente Jango toma posse na presidência, no dia 7 de setembro de 1961. Mas não da forma como Brizola gostaria. O Congresso Nacional havia implantado o parlamentarismo, sendo que João Goulart não teria os poderes que lhe eram de direito, tendo de governar ao lado de um primeiro-ministro, o mineiro Tancredo Neves. Se o resultado não foi ao gosto de Brizola, certamente o movimento liderado pelo governador foi fundamental para a realização de um novo plebiscito, em 1962, que confirmou o desejo da população no retorno ao presidencialismo.
       Dessa forma, apenas em 1963, João Goulart consegue tomar posse como presidente da República, legitimamente, podendo então colocar suas idéias em ação. Sofre a pressão e a resistência das velhas forças conservadoras da direita brasileira ao propor as reformas de base, que buscavam democratizar o acesso à terra e realizar reformulações no campo econômico, tributário, previdenciário, entre outros. O golpe, tentado em 1961, se concretiza em março de 1964. Mas esse é assunto para outra história, pois 21 anos de ditadura não podem ser resumidos em apenas algumas poucas palavras.



A "Rede da Legalidade no Interior Gaúcho" - em especial na cidade de Ijuí





O resumo do excelente trabalho (que tem 16 páginas) diz o seguinte:
“O estudo propõe o resgate de como as emissoras de rádio do interior gaúcho, em especial da região Noroeste, se posicionaram diante da constituição da Rede da Legalidade em agosto de 1961, e, por conseqüência, verificar o envolvimento que tiveram com o movimento desencadeado a partir dos porões do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. A pesquisa desenvolvida na disciplina de Radiojornalismo II, do curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, passa por sete municípios do interior, mais a capital, a partir da adesão das emissoras de rádio que, por vezes contrariando interesses políticos, contribuíram para a defesa da Constituição”

Reproduzimos aqui apenas o trecho no qual as autoras descrevem os acontecimentos na cidade de Ijuí:

(.....)

A Legalidade na Região Noroeste Colonial


Aqui funcionou a Rádio Progresso de Ijuí desde a sua fundação no dia 19/10/1959 e estava localizada na rua 13 de Maio, esquina com a rua do Comércio. Antiga Casa Genta. Em 1963, transferiu-se para o Edifício Nelson Lucchese, na rua 15 de Novembro.
Prefeito Orlando Burmann
 No município de Ijuí, distante 410 quilômetros da capital, a Rádio Progresso de Ijuí estava ao lado dos interesses do prefeito municipal Orlando Burmann, um de seus diretores. Burmann era do mesmo partido político de Brizola – o PTB e, anos mais tarde, foram para o exílio no mesmo período no Uruguai. “Tínhamos o mando nela (Rádio Progresso)[3] e quando abriu lá a Cadeia ela imediatamente começou a fazer parte. Depois entrou a Repórter e muitas outras passaram a transmitir. O serviço telefônico era muito deficiente, faziam a ligação direta com a emissora da capital e entrava na sintonia da emissora portoalegrense”[4].
 Além da Progresso, o município de Ijuí contava também com a Rádio Repórter, que, segundo Sady Strapazon, era uma emissora identificada com a direita, ao contrário da outra. “A Repórter era uma rádio muito conservadora, então só dava algumas notícias e só o que o quartel permitia. Inclusive, o PTB tinha um programa pago semanal na Repórter naquela época, e havia recomendações, desde 1961: vocês querem fazer o programa de vocês, fazem, mas primeiro tem que ser revisado pelo quartel”.[5]
Brizola no Piratini
Sady Strapazon, na época vereador do PTB, destaca que pelo fato de Orlando Burmann ser muito amigo de Brizola, recebeu avisos para ir preparando nesta região o pessoal caso houvesse alguma coisa maior. “A Progresso tinha muita importância porque Orlando comandava tudo e nas horas de folga era um dos redatores e ele dizia a verdade nua e crua, o que estava acontecendo. Não pedia que alguém insurgisse contra alguém”. [6]
Arno Burmann[7] lembra que o 27º Grupo de Artilharia de Campanha, existente em Ijuí, encaminhou armamentos, por meio da Viação Férrea, até Cruz Alta. De Santo Ângelo, município vizinho a Ijuí, embarcaram tropas e material de suprimento. Em Porto Alegre alistaram mais de 200 mil pessoas para a luta e aqui também, segundo Burmann, houve voluntários. Quanto à presença do rádio em 1961 diz:
  
É preciso entender que uma emissora de rádio tocando o dia inteiro aquelas marchas marciais... mexem com o sujeito (...). O rádio era fundamental (...). A população estava obcecada por aquele movimento, a Rede da Legalidade criou um estado de ânimo e de luta na população. Depois o acordo feito (o parlamentarismo)[8] foi rejeitado pela população; queriam a luta, porque entendiam que os militares iam continuar lá como continuaram. Eu me convenci que o povo humilde, este está sempre pronto pra luta[9].

Arlindo Kunzler integrou a Rádio Difusora, de Três Passos[10], à Rede da Legalidade por considerar o movimento voltado ao respeito a lei, além de público e notório. Kunzler lembra que as rádios eram convidadas pelo comando central e que não havia obrigação de aderir. Neste sentido, a Rádio Difusora “limitou-se a retransmitir o comando central” [11], uma vez que Arlindo Kunzler era politicamente contrário a Brizola[12].

 Fontes Consultadas:

Obras consultadas ou entrevistas realizadas (aqui também nos limitamos a citar apenas as fontes referentes a cidade de Ijuí):

BARBIAN, Hilário. Rede da Legalidade. Ijuí, 22 jun. 2004. Entrevista concedida ao jornalista André Schmidt da Rosa, da Rádio UNIJUÍ FM.
BURMANN, Arno. Legalidade em Ijuí. Ijuí, set. / out. 2004. Registro para pesquisa referente à Rede da Legalidade no interior gaúcho. Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro e José Roberto Scheuer.
BURMANN, Orlando. Rádio Progresso de Ijuí. Ijuí, set. / out. 2004. Registro para pesquisa referente à Rede da Legalidade no interior gaúcho. Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro e José Roberto Scheuer.
STRAPAZON, Sady. Legalidade em Ijuí. Ijuí, out. 2004. Registro para pesquisa referente à Rede da Legalidade no interior gaúcho. Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro e José Roberto Scheuer.


[1] Jornalista, Especialista, Professora da UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
[2] Doutoranda, Professora da UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
[3] Acréscimo meu
[4] Entrevista concedida por Orlando Burmann ao acadêmico José Roberto Scheuer, no 2º semestre de 2004.
[5] Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro e José Roberto Scheuer, em Ijuí, no 2º semestre de 2004.
[6] Idem.
[7] Arno Burmann é irmão de Orlando Burmann. Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro e José Roberto Scheuer, em Ijuí, em 27 de set. de 2004.
[8] Acréscimo meu.
[9] Idem 19.
[10] O município de Três Passos está a 463 quilômetros de Porto Alegre.
[11] Arlindo Kuzler era proprietário da Rádio Difusora em 1961. Entrevista concedida a acadêmica Juliana Gomes, em Três Passos, no 2º semestre de 2004.
[12] Idem 23.