Administração do Instituto
de Menores deve ser retomada em dez dias - em 2007...
Notícia publicada originalmente no site Ijuí Virtual, dia 15/06/2007.
Disponível em:
http://www.ijuivirtual.com.br/Noticias/judiciario/427/administracao-do-instituto-de-menores-deve-ser-retomada-em-dez-dias/
Em audiência conduzida pelo juiz da Vara de
Infância e Adolescência, Osmar de Aguiar Pacheco ficou estabelecida a
reativação da administração do Instituto de Menores de Ijuí em 10 dias.
Durante audiência
desenrolada na tarde de ontem na Vara de Infância e Adolescência do Fórum local
foi definido, em caráter consensual, a reativação da administração patrimonial
e financeira do Instituto de Menores de Ijuí. A informação foi prestada
pelo juiz da Vara da Infância e Adolescência, Osmar de Aguiar Pacheco que reiterou
a disposição do Executivo Municipal e outros setores da comunidade em retomar
as atividades do IMI, a partir da implantação de uma nova filosofia de gestão
da instituição que não pode mais operar sob uma perspectiva da custódia
tradicional, além da dificuldade da comunidade assumir uma vultosa despesa
decorrente da educação integral de dezenas de crianças e jovens de diversas
regiões.
O magistrado
assinala a necessidade da comunidade em geral colaborar para a preservação dos
vínculos familiares, além da responsabilidade conjunta da reestruturação de famílias, já que é complicado
transferir responsabilidades inerentes à principal célula social, como a
instituição de valores ético-morais.
Fonte:
Rádio Progresso de Ijuí. Autor: Geizon K. Tischer
Denúncias de maus tratos no Instituto de
Menores é investigada e condenada pela Justiça, em abril de 2010...
Detalhes de toda investigação e julgamento... depoimento das vítimas... Muito triste....
Fonte: Documento publicado no Blog UFSC-Direito Penal IV. Disponível em:
http://ufscdireitopenaliv.blogspot.com.br/2010/04/mais_2883.html
LEI N.º 9.455/97. ART 1°, ii, §
4°, ii. CRIME DE TORTURA.
Crime de tortura contra as
crianças e adolescentes internos do Instituto de Menores de Ijuí, que se
encontravam sob a guarda e autoridade do réu, com emprego de violência e grave
ameaça, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE
MAUS TRATOS. ART. 136 DO CP. A situação dos autos passou muito longe de maus
tratos, o que foi vivenciado neste caso foi a crueldade do réu contra vários
menores que estavam sob sua guarda e responsabilidade.
MAJORANTE DO § 4º inciso ii DO
ART. 1º DA lEI n.º 9.455/97.
Adequado o aumento em um terço,
tendo em vista que as circunstâncias judiciais foram quase todas desfavoráveis
e, ainda foram vítimas 27 crianças e adolescentes.
APELO imPROVIDO. unânime.
Apelação Crime Terceira Câmara
Criminal
Nº 70029386950 Comarca de Ijuí
LUIS CARLOS MUNDINS APELANTE
MINISTERIO PUBLICO APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os
autos.
Acordam, os Desembargadores
integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à
unanimidade, negar provimento ao apelo defensivo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além
do signatário, os eminentes Senhores Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira
(Presidente) e Des. Odone Sanguiné.
Porto Alegre, 25 de fevereiro de
2010.
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)
LUIS CARLOS MUNDINS, com 42 anos
de idade à época do fato, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 1º,
inc. II, c/c o § 4º, inc. II, da Lei n.º 9.455/97, e do art. 129, caput (duas
vezes), c/c o art. 61, inc. II, letra “g”, na forma do art. 29, caput, e 69,
caput, do Código Penal; ADRIANO CRUZ SOUZA, com 19 anos de idade à época do
fato, nas penas do art. 1º, inc. II, c/c o § 4º, inc. II, da Lei n.º 9.455/97,
na forma do art. 29, caput, do Código Penal; e EDUÍNO TERNES, com 56 anos de
idade à época do fato, nas sanções do art. 243, da Lei n.º 8.069/90, na forma
do art. 71, caput, do Código Penal.
Narra a denúncia:
“(...). 1º FATO:
1- No período compreendido entre
o dia 19 de março (fl. 93 do IP) e o dia 24 de maio de 2002, em horários
diversos, nas dependências do Instituto de Menores de Ijuí, localizado na RS
155, Km 5, Distrito de Santana, em Ijuí-RS, os denunciados LUIS CARLOS MUNDINS
e ADRIANO CRUZ SOUZA, em acordo de vontades e conjugação de esforços,
submeteram as crianças e os adolescentes abrigados no Instituto de Menores de
Ijuí (L.G.R., L.S., R.R.R.S., M.R., M.R., L.C.B., P.A.L., I.M.V., W.L., A.K.,
P.M.S., W.P.C., A.D., V.F., M.R.R., E.A., A.R.G., J.F.P.C., J.S.T., D.S.S.,
D.D.V.NE., T.K.W., J.F.B., R.V.P., G.C.O., J.B. e D.A.G.), os quais se
encontravam sob sua guarda e autoridade, com emprego de violência e grave
ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo.
Na oportunidade, os denunciados
LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA, administrador e auxiliar
administrativo, respectivamente, do Instituto de Menores de Ijuí, sob o
pretexto de impor punição e disciplina às crianças e aos adolescentes ali
abrigados, contra estes efetivavam e dirigiam ilegalmente atos que provocavam
intenso sofrimento físico e mental, assim exemplificados:
1.1- No mês de março de 2002, no
horário do almoço, o denunciado LUIS CARLOS MUNDINS, na presença dos demais
abrigados, agrediu fisicamente o adolescente D.A.G., com 16 anos de idade, em
razão deste ter tossido involuntariamente ou esboçado sorriso no refeitório da
instituição enquanto aquele efetuava instruções ou explicações rotineiras.
O acusado LUIS CARLOS MUNDINS,
tomando o ato como ofensa pessoal, desferiu um tapa no rosto do ofendido, o
qual, em movimento espontâneo, levantou uma tesoura que portava, baixando-a
imediatamente.
Mais uma vez, o acusado investiu
contra a vítima, desferindo-lhe um tapa, conduzindo-lhe ao escritório do
instituto, onde continuou a efetuar agressões com socos, tapas e pontapés.
1.2- O adolescente W.L., em
determinada ocasião, pelo motivo de cantar e dar risadas com os demais internos
no refeitório da instituição, foi obrigado pelo denunciado ADRIANO CRUZ SOUZA a
postar-se em pé, por largo espaço de tempo, aproximadamente duas horas, em um
canto da mencionada sala, segurando um pedaço de madeira sobre a cabeça, no
qual eram penduradas roupas. No decorrer do castigo, eram-lhe desferidas
pauladas e proferidas palavras ameaçadoras e de deboche (tá chorando
nenezinho?), inclusive com a advertência de que se alguma roupa caísse ao chão
os demais abrigados sofreriam agressões físicas.
Os abrigados viram e presenciaram
tais fatos.
1.3- Em várias oportunidades, os
abrigados do Instituto de Menores de ijuí executavam brincadeiras denominadas
lutinhas, que consistiam em simulacros de luta, mediante empurrões. Quando eram
surpreendidos pelos denunciados LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA,
conjunta ou separadamente, as crianças e os adolescentes envolvidos na
brincadeira eram colocados um defronte do outro e obrigados a desferirem tapas
e socos mutuamente, um contra o outro, perante os demais.
Após, eram obrigados pelos
denunciados a se darem as mãos e a caminhar ou correr em volta do prédio do
instituto ou da mesa do refeitório, sendo que, durante o percurso, deveriam
repetir várias e inúmeras vezes que nunca mais iriam brigar ou algo semelhante.
Ressalta-se que, quando os
abrigados recusavam-se a se agredir mutuamente, eram, então, agredidos a tapas
e socos pelos denunciados, sendo-lhes proferidas palavras injuriosas.
1.4- Em determinada ocasião, os
denunciados suspenderam o oferecimento de carne nas refeições dos
institucionalizados, em razão de que, certo dia, fora do horário, sem
autorização, alguns adolescentes haviam consumido o alimento (carne), sobra da
refeição.
Todavia, os denunciados LUIS
CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA, nesse período, comiam carne nas refeições,
na presença dos abrigados, e, ao consumi-la, caçoavam das crianças e dos
adolescentes, perguntando-lhes de estavam putinhos (o que significa bravos com
o fato), xingando-os de caras-de-pau. Mais, ao colocarem o alimento na boca,
diziam ah, que carne gostosa!.
É digno de nota que, de igual
forma, quando a instituição recebia doações de pizzas e quando algum
adolescente, neste dia, aprontasse, nenhum deles comia o alimento. No entanto,
o denunciado ADRIANO CRUZ SOUZA comia na frente de todos, sozinho.
Sinala-se que os abrigados, ao
comerem frutas, algumas delas existentes em abundância (por exemplo, abacate,
laranjas, etc.), eram repreendidos com agressões físicas (tapas, empurrões,
etc.) e com palavras injuriosas pelo denunciado LUIS CARLOS MUNDINS.
Da mesma forma, no período,
injustificadamente, foi interrompido o fornecimento de leite às vítimas. No
entanto, tal alimento era destinado aos terneiros.
1.5- Qualquer acontecimento que
significasse, na visão dos denunciados, perturbação da disciplina, a despeito
de sua insignificância, os abrigados, de forma contínua, eram repreendidos por
LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA com agressões corporais, aplicações de
castigos, ameaças de formulação de atas e remessa dos mesmos à FEBEM, o que
provocava humilhações, medo, temor e receio, inclusive impedindo que eles
relatassem tais fatos às autoridades competentes.
1.6- Também eram impostas por
ambos os denunciados tarefas aos internos de modo a sobrecarregá-los, tais como
lavar diversas vezes a louça sob o pretexto de não estarem bem limpas e limpar
banheiros e demais dependências como medida de castigo, pelo simples fato de
terem olhado desse ou daquele jeito para os denunciados ou de terem feito uma
brincadeira insignificante, própria da adolescência, ou, ainda, sem motivo
algum ou aparente.
Algumas dessas medidas ou tarefas
eram determinadas durante as refeições, que, em vista disso, para alguns
adolescentes, eram interrompidas.
Ressalta-se que em uma dessas
oportunidades, na qual o interno A.D. foi obrigado a limpar as paredes do
refeitório, no período da madrugada, este sofreu uma queda, pois estava numa
escada, vindo a quebrar o braço, conforme o prontuário médico das fls. 64/67 do
inquérito policial.
Em outra situação, pelo fato de
que uma cueca fora encontrada por LUIS CARLOS MUNDINS no chão da lavanderia, o
adolescente R.R.R.S. foi agredido a socos, tapas e pontapés pelo denunciado, na
presença dos demais colegas, pelo fato de que a peça lhe pertencia, chegando
aquele, inclusive, a ter mandado o adolescente engolir a citada cueca.
2- Na maioria das vezes, os fatos
acima narrados, eram praticados na presença dos demais institucionalizados, que
também eram ameaçados de sofrer igual punição.
Os atos punitivos e com tons de
provocação cometidos pelos denunciados, que tinham ciência das conseqüências
que provocariam no físico e no espírito dos que estavam sob sua guarda e
autoridade, causavam vexame, constrangimento, medo, receio, humilhação e
revolta nos adolescentes, principalmente pelas suas próprias condições de origem,
razões do abrigamento e ausência e distância do convívio dos familiares, até
porque já se encontravam emocionalmente abalados, resultando daí um intenso e
duradouro sofrimento físico e mental.
2º FATO:
No período acima compreendido, em
diversas vezes e horários, e notadamente no dia 23 de maio de 2002, em horário
não esclarecido, mas no período da tarde, na localidade denominada Povoado
Santana, em Ijuí-RS, de forma continuada, o denunciado EDUÍNO TERNES vendeu a
adolescentes, dentre os quais L.G.R., W.P.C. E L.S., sem justa causa e por
preço não esclarecido, bebida alcoólica, produto cujo componente pode causar
dependência física ou psíquica.
Nesta última oportunidade (dia 23
de maio de 2002), realizava-se na localidade de Povoado Santana um torneio de
futebol, quando ingressaram no estabelecimento comercial de propriedade do
denunciado EDUÍNO TERNES os adolescentes acima referidos, desejando adquirir
bebida alcoólica, no que foram prontamente atendido pelo denunciado, o qual
lhes alcançou cachaça.
3º FATO:
No dia 23 de maio de 2002, por
volta das 18h30min, nas dependências do Instituto de Menores de Ijuí,
localizado no Povoado Santana, em Ijuí-RS, o denunciado LUIS CARLOS MUNDINS
ofendeu a integridade corporal do adolescente L.G.R. e W.P.C., causando, no
primeiro, as várias lesões corporais de natureza leve descritas no auto de
exame de corpo de delito das fls. 7 e 75 do inquérito policial.
Na oportunidade, as vítimas
encontravam-se em um torneio de futebol, quando adquiriram bebida alcoólica e,
ingerindo-a, ficaram embriagados. Ao retornarem para as dependências do
Instituto de Menores de Ijuí foram flagrados pelo denunciado LUIS CARLOS
MUNDINS e levados ao seu escritório, quando então passou a lhes agredir
mediante socos e pontapés. Após a agressão, o acusado ordenou ao ofendido
L.G.R. que tomasse banho, momento em que este, intensamente amedrontado,
receoso, humilhado e revoltado, empreendeu fuga da instituição, solicitando
auxílio da Brigada Militar e do Conselho Tutelar, cujo integrante registrou
ocorrência policial (fl. 6 do IP). (...)”.
A denúncia foi recebida em
06DEZ02 (fl. 383).
O réu EDUÍNO TERNES foi
beneficiado com a suspensão condicional do processo, sendo determinada a cisão
do processo em relação a ele (fls. 395/396).
Sobreveio sentença lançada em 16
de agosto de 2007, às fls. 873/890, proferida pelo Juiz de Direito Osmar de
Aguiar Pacheco, julgando parcialmente procedente a denúncia para condenar os
réus LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA à pena de seis anos e oito meses
de reclusão (pena-base em cinco anos, majorada em um terço pelo artigo 1º, §
4º, inciso II, da Lei n.º 9.455/97), para cada réu, em regime inicial fechado,
aplicando, ainda, a interdição do exercício de atividades por treze anos e
quatro meses, pois dados como incursos nas sanções do artigo 1º, inciso II, c/c
§ 4º, inciso II, da Lei n.º 9.455/97. Ainda, declarou extinta a punibilidade
quanto a LUIS CARLOS MUNDINS, por força da prescrição quanto aos crimes do
artigo 129, caput, do Código Penal.
Inconformada, a Defensoria
Pública apela em relação aos réus LUIS CARLOS MUNDINS e ADRIANO CRUZ SOUZA (fl.
892), entretanto, o apelo ora em questão diz respeito ao réu LUIS CARLOS
MUNDINS. Nas suas razões (fls 903/917), sustenta a insuficiência do contexto
probatório. Alega que o acusado LUIS CARLOS MUNDINS, em juízo, negou qualquer
envolvimento com o delito em tela e, ainda, que as testemunhas não conseguiram,
em seus depoimentos, imputar a empreitada aos denunciados, eis que não
presenciaram os fatos narrados na peça acusatória. Aduz que as vítimas
tentaram, com suas palavras, narrar os fatos de sua maneira, e que isso não
deve ser valorado para uma condenação. Sustenta, também, que a conduta é
atípica, entendendo que o tipo penal em questão insere-se nos chamados delitos
de intenção, tendo em vista que não restou demonstrado que os acusados queriam
castigar ou aplicar medida preventiva como ato educativo, não se amoldando,
assim, a conduta do tipo penal em baila e, ainda, que apenas é tipificado como
delito de tortura, aquelas condutas que infligem “sofrimento intenso”. Quanto à
fixação da pena, afirma demasiada a pena-base em relação às vetoriais do artigo
59 do Código Penal, principalmente em razão da majorante de que o crime foi
praticado contra crianças e adolescentes. Ainda, pede a exclusão da pena de
multa ou, alternativamente, a diminuição do quantum fixado. Pede a absolvição
do acusado ou, subsidiariamente, a desclassificação do delito de tortura para o
de maus tratos, ou ainda, o redimensionamento da pena para o mínimo legal.
O Ministério Público
contra-arrazoou o apelo (fls. 927/959), constatando, preliminarmente, que o réu
LUIS CARLOS MUNDINS não estava recolhido à prisão e, com isso, não tinha o
direito de apelar, de acordo com o artigo 594 do Código de Processo Penal. Por
esta razão, houve a cisão do feito em relação ao mesmo, tendo a apelação sido
recebida tão-somente quanto ao réu ADRIANO CRUZ SOUZA (fl. 972).
Foi expedido mandado de prisão
contra o réu LUIS CARLOS MUNDINS (fl. 978).
A Defesa impetrou habeas corpus
em favor do réu LUIS CARLOS MUNDINS (fls. 994/1001) requerendo a cassação da
decisão que decretou a prisão do paciente e negou-lhe o direito de recorrer em
liberdade; a concessão ao paciente do direito de recorrer e aguardar o
julgamento do processo em liberdade; e a determinação do recebimento e
julgamento das razões do recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública
Após, houve a concessão parcial
da ordem para que o recurso de apelação em relação ao réu LUIS CARLOS MUNDINS
fosse processado e remetido a este Tribunal de Justiça (fl. 1027/1029).
Neste grau de jurisdição, em
parecer lançado às fls. 1036/1044, o Procurador de Justiça Sérgio Guimarães
Britto opinou pelo desprovimento do apelo defensivo.
É o relatório.
VOTOS
Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Primeiramente, cumpre referir que
o recurso de apelação interposto em favor do acusado ADRIANO CRUZ SOUZA foi
julgado por este Relator, quando integrava a Primeira Câmara Criminal, na
sessão de julgamento do dia 30 de abril de 2008, tendo como decisão o parcial
provimento do recurso defensivo no sentido de reduzir o apenamento em três
meses em razão da menoridade do réu.
EXAME DO CASO CONCRETO
A vítima M.R., em juízo, à fl.
454, informou que:
“(...)em relação ao administrador
Mundins, para os adolescentes que não faziam as coisas certas, ele batia, dando
socos, tapas e coices.”(...)
A vítima L.L.S., em juízo, à fl.
457, declarou que:
“(...)na época do administrador
Mundins, cada um tinha uma função estabelecida por ele e senão cumpria ele
batia com tapa, pontapé e o fazia na frente de todo mundo, e dizia que isso era
para aprenderem.”(...)
A vítima M.R., em juízo, à fl.
460, referiu que:
“(...)na época do Mundins
funcionava na base do tapa, quem trabalhava não apanhava, e quem não trabalhava
e aprontava na escola apanhava. Quem batia com tapas, coices, socos, era
Mundins.”(...)
A vítima R.R.R.S., em juízo, à
fl. 462, relatou que:
“(...)na época do administrador Mundins,
o depoente colocou uma cueca para secar e acha que o vento derrubou e por isso
Mundins lhe deu um coice na bunda.
(...) Outra vez também levou tapa
na orelha de Mundins. Mundins não deixava explicar e já batia.”(...)
A vítima A.R.G., em juízo, à fl.
464, contou que:
“(...)nunca teve problema, mas
via os internos serem agredidos por Mundins, principalmente porque os piás não
lavavam roupa.”(...)
A vítima E.A., em juízo, à fl.
466, disse que:
“(...) No tempo de Mundins ele
batia nos piás quando incomodavam.”(...)
A vítima T.K.W., em juízo, à fl.
467, referiu que:
“(...) No tempo de Mundins não
era bom para os piás porque ele batia demais.”(...)
A vítima J.F.B., em juízo, à fl.
469, declarou que:
“(...)nos tempos de Mundins ele
batia nos piás, dando uns tapas e uns coices.”(...)
A vítima P.A.L., em juízo, à fl.
471, informou que:
“(...)era ruim no tempo do IMI,
porque só batia. Uma vez Mundins bateu no depoente porque mandou lavar os panos
de prato, e porque não estava limpo ele deu um coice e um puxão de
cabelo.”(...)
A vítima G.C.O., em juízo, à fl.
473, declarou que:
“(...)um dia porque pisou no
molhado, na grama, em frente a igreja, Mundins fez o depoente buscar um balde
de água e depois lhe jogou toda água que tinha dentro do balde na roupa e
depois mandou secar tudo. Deu um tapa no rosto e soco nas costas.”(...)
A vítima I.M.V., em juízo, à fl.
493, contou que:
“(...)o diretor Luiz Carlos batia
em todo mundo que estava no Instituto.”(...)
A psicóloga e uma das dirigentes
provisórias do Instituto de Menores de Ijuí, Andréia Carvalho Schneider Studt,
à fl. 502, relatou que:
“(...) Houve relato de
adolescente narrando que tinham sido agredidos. Lembra de um adolescente que
diz que fora agredido por Luís Carlos dentro de uma sala no IMI. (...)
Notou que os adolescentes tinham
muito medo de falar sobre tais fatos, mas acabaram confirmando que lá haviam
agressões e certos tipos de castigos como ficar na sala escura. Vestir roupa
molhada por não ter toalhas para secar. Que eram incitados a agressões e lutas
principalmente por Adriano. Menciona que eventualmente ficavam sem comida como
castigo. Um relatou também que quebrou o braço quando efetuara algum serviço da
casa e segundo ele determinado que fosse feito de madrugada.”(...)
A testemunha Edvino Okaseski,
funcionário e residente no Instituto de Menores de Ijuí, à fl. 505, declarou
que:
“(...)os meninos se queixavam de
Mundins, dizendo que o mesmo dava castigo, do tipo de obrigar a ficar
caminhando de meia hora a uma hora dentro do Instituto. Queixavam-se também que
ele dava tapas e coices. Reclamavam também que eles como castigo suspendiam a
carne.” (...)
A testemunha José Krawszuk,
funcionário e residente no Instituto de Menores de Ijuí, à fl. 506, informou
que:
“(...) Comentavam que um tinha
que dar um tapa no outro a mando de Mundins, mas isso o depoente não
presenciou. Também soube que um dos castigos era ficar correndo dentro do
Instituto se queixando também de ter levado tapas.” (...)
O conselheiro tutelar José
Alfredo Bischoff, à fl. 507, relatou que:
“(...) Tomou conhecimento dos
fatos descritos na denúncia quando um adolescente procurou a brigada militar e
fez registro na DP. Ante só ouviu comentários. Quando a saída da direção foi
até o IMI conversar com os adolescentes os quais mencionaram que foram mal
tratados, inclusive pelo administrador anterior. A forma como Luís Carlos os
mal tratava segundo eles era por agressão física e moral, dando tapas. Que como
castigo havia restrição da alimentação.” (...)
O policial militar Marcelo Vargas
de Lima, à fl. 508, referiu que:
“(...)o adolescente entrou em
contato com a brigada militar na frente do HCI, se queixando que tinha sido
agredido, no IMI, onde teria submetido a maus tratos e que por isso fugiu de
lá. Ele não mencionou nome de quem o agredira, mas mencionou que era o
responsável. Que notou que o rapaz estava apavorado.” (...)
O policial militar Gelci Valdecir
dos Santos, à fl. 510, informou que:
“(...) Um adolescente chamou a
brigada militar, em frente ao HCI, que mencionou que fugiu do IMI, e relatou
que tinha sofrido maus tratos no IMI. Encaminharam para atendimento no HCI e ao
Conselho Tutelar. Ele estava bem assustado dizendo que tinha fugido do IMI.”
(...)
A vítima P.M.S., à fl. 537,
afirmou que:
“(...) Se algum abrigado não
obedecesse, aí Seu Mundins ia bater.”(...)
A vítima V.F., à fl. 561, relatou
que:
“(...) Mundins batia na gente.
(...)
Afirma que os adolescentes ficaram
mais de três meses sem tomar leite, embora fosse tirado leite do chiqueiro.
Registra que teve uma vez que os piás tiraram leite e não ferveram, deixando
que o leite coalhasse, o Seu Mundins mandou que nós ficássemos só de calção na
rua e deu um banho de mangueira em todo mundo. Estava frio.”(...)
A vítima J.B., à fl. 579, disse
que:
“(...) Eles trancaram o depoente
e outros menores, em várias oportunidades, no gabinete da direção e passavam a
aplicar corretivos consistentes em tapões nos ouvidos e “coice” nas pernas.
Eles aplicavam o corretivo em vários meninos, até aqueles bem pequenos.”(...)
A assistente social e
administradora provisória da casa de abrigo, Jane Zibélia Goetz Miranda, à fl.
585, aduziu que:
“(...) Foi solicitada pelo
Prefeito para com outras pessoas assumirem temporariamente o Instituto de
Menores de Ijuí, porque teria havido agressões.”(...)
A vítima A.D., à fl. 596, contou
que:
“(...) Foi agredido em uma
oportunidade, quando Luiz Carlos Mundins deu uns coices no depoente quando estavam
limpando um chiqueiro.”(...)
A vítima W.L., à fl. 616,
mencionou que:
“(...) Confirma que Luis Carlos e
Adriano efetivamente aplicavam punições aos menores internados na instituição.
(...)
Confirma que os internados
ficavam humilhados com os castigos impostos, referindo que “se o cara fugia,
quando voltava era pior”. Sentia-se com medo e ameaçado na instituição.”(...)
L.C.B., também vítima, à fl. 647,
ressaltou:
“(...) Uma vez só que Mundins deu
um tapa no depoente. Bateu no rosto. O depoente viu adolescentes lavando
paredes de madrugada. (...)
O depoente chegou a ver Mundins
dando pontapés em adolescentes, mas o depoente não identifica as vítimas pelos
nomes. Foram uns quantos adolescentes chutados.”(...)
A vítima D.S.S., à fl. 670,
declarou que:
“(...) Eles batiam nos pequenos.
(...)
Quando dois internos brigavam
Mundins fazia um dar tapa no outro. Fazia eles correrem de mãos dadas em volta
do prédio. (...)
Eles davam muito castigos,
batiam, deixavam encerrados.”(...)
A vítima R.V.P., à fl. 704,
referiu que:
“(...) Também é verdade que eles
repreendiam e davam tapas e empurrões quando eles comiam as frutas. Também eles
suspendiam o fornecimento de leite e o depoente disse que isso não acontecia
por castigo de algum ato de disciplina dos menores e eles faziam assim só por
fazer.”(...)
W.P.C., também vítima, à fl. 753,
relatou que:
“(...)recorda que Luís Carlos
Mundins batia nos “piás” e, inclusive, no depoente. Este senhor era o que
mandava nos monitores. Essas agressões aconteciam dentro da instituição. Essas
agressões ocorriam quando um adolescente urinava na cama ou ia mal no colégio.
Também quando havia barulho. De vez em quando também não davam
alimentação.”(...)
A vítima A.K., à fl. 755, aduziu
que:
“(...)estava com os pés sujos,
pois estavam brincando. Pegou uma meia sua e fez uma bolinha para jogar
futebol. Como não sabia onde era para lavar os pés, subiu para dormir sem lavar
os pés. Foi nessa ocasião que Luís Carlos Mundins puxou a coberta do depoente e
deu um tapa no rosto do depoente.”(...)
A vítima J.F.P.C., à fl. 762,
mencionou que:
“(...) Luís Carlos Mundins era o
que agredia os adolescentes, não tinha diálogo com ele. Ele já chegava dando
coices na bunda.”(...)
A materialidade e a autoria se
verificam através dos depoimentos das vítimas, bem como das demais testemunhas,
que confirmam a conduta do apelante, demonstrando clara adequação a tipificação
do delito de tortura.
Cabe referir que o réu agredia os
abrigados, causando-lhes intenso sofrimento físico e mental, o que era feito
como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Portanto não prospera o pleito
defensivo de que a conduta em questão seja atípica, tampouco a alegação de
insuficiência no contexto probatório.
Destaca-se que as vítimas eram
castigadas e agredidas por motivos banais, sendo que bastava um olhar, um
sorriso, ou até mesmo uma tosse involuntária para que a punição fosse aplicada
com tapas, socos, pontapés e coices.
Assim, não há que se falar em
desclassificação para o delito de maus tratos como pleiteia a Defesa.
É evidente que a situação dos
autos passou muito longe de maus tratos, o que foi vivenciado neste caso foi a
crueldade do administrador do Instituto de Menores de Ijuí contra diversos
internos que estavam sob sua guarda, autoridade e responsabilidade.
Por todo o exposto, não há que se
falar em absolvição.
PENA APLICADA
A pena-base foi corretamente
fixada em cinco anos de reclusão visto que o réu teve a análise das
circunstâncias do artigo 59 do Código Penal operada de forma desfavorável.
A pena foi aumentada em 1/3 em
razão da majorante prevista no § 4°, II, do artigo 1°, da Lei n.º 9.455/97
restando definitiva em seis anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida no
regime inicial fechado, aplicando, ainda, a interdição do exercício de atividades
ligada ao atendimento a crianças e adolescentes pelo período de treze anos e
quatro meses.
O aumento em um terço foi
adequado, tendo em vista que as circunstâncias judiciais foram quase todas
desfavoráveis e, ainda, foram vítimas 27 (vinte e sete) crianças e
adolescentes.
A Defesa se equivocou em suscitar
a diminuição ou exclusão da pena de multa, visto que sequer foi aplicada, sendo
que não tem previsão legal no tipo em exame.
Destaca-se que o delito de
tortura é daqueles repudiados pela Magna Carta, motivo pelo qual merece severa
reprimenda.
Voto, portanto, pelo improvimento
ao apelo defensivo.
Julgador(a) de 1º Grau: OSMAR DE
AGUIAR PACHECO
Des. Odone Sanguiné (REVISOR) -
De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Marco Antônio Ribeiro de
Oliveira (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE
OLIVEIRA - Presidente - Apelação Crime nº 70029386950, Comarca de Ijuí:
"NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: OSMAR DE
AGUIAR PACHECO
COMENTARIOS
Trabalho de Penal: Julgados
referentes à abuso de autoridade e tortura.
1. PROCESSO-CRIME Nº 70015391626
- Crime de abuso de autoridade
TJRS condenou o juiz gaúcho por
abuso de autoridade, o juiz Jairo Cardoso Soares - com 19 anos de atividade na
magistratura gaúcha - pelo crime de abuso de autoridade, a uma pena de quatro
meses de prisão. Esta foi, afinal, substituída por prestação pecuniária (50
salários mínimos, em vigor em julho de 2005).
Segundo a denúncia, na agência do
Banco do Brasil da cidade de Lavras do Sul, o denunciado, com abuso de
autoridade, executou medida privativa de liberdade e atentou contra a liberdade
de locomoção de Seno Luiz Klock, gerente daquela agência, ao prender-lhe em
flagrante delito".
Esse caso é muito interessante se
nos depararmos com a questão envolvida que discorre a cerca da dúbia
interpretação do caso: a primeira de condenar o magistrado por abuso de
autoridade, e a segunda de condenar um cliente do bando enganado.
O relator Vladimir Giacomuzzi foi
minucioso, sendo, no voto, acompanhado - sem outros comentários -pela maioria
dos julgadores. Um dos votos condenatórios, proferido pelo desembargador
Claudir Fidelis Faccenda, ressalvou que "o acusado poderia ter resolvido a
questão na área cível, contratando advogado". O voto aponta que
"mesmo que o dr. Jairo tenha agido como cidadão comum e não como juiz -
como alega - ele agiu mal", mesmo sabendo-se que "os bancos agem
dessa forma, seja cobrando juros extorsivos, seja demorando para descadastrar
os clientes dos órgãos de proteção ao crédito".
Porém a decisão foi a de condenar
o magistrado em seu posto: na petição, o advogado Ademar Pedro Scheffler, foi
incisivo: "Jairo agiu não como cidadão comum, mas na condição de
magistrado, movimentando um aparato com duas viaturas e nove acompanhantes,
dentre oficiais de justiça, policiais e PMs".
2. Apelação Crime nº 70029386950
- Crime de Tortura
Esse caso é muito interessante
pois esclare o limite do crime de maus tratos, até que ponto este se transforma
em crime de tortura. Tal processo também, aponta que a tortura não está só
associada à agressões físicas graves e repetidas, mas também, como regula - Lei
9.455/97 - o crime de tortura é sofrimento ou dor provocada por maus-tratos
físicos ou mentais.
Como podemos constatar, o sr.
Luiz Carlos Mundis mantia os abrigados ''com emprego de violência e grave
ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo.''
Ao final, ''a pena foi aumentada
em 1/3 em razão da majorante prevista no § 4°, II, do artigo 1°, da Lei n.º
9.455/97 restando definitiva em seis anos e oito meses de reclusão, a ser
cumprida no regime inicial fechado, aplicando, ainda, a interdição do exercício
de atividades ligada ao atendimento a crianças e adolescentes pelo período de
treze anos e quatro meses.'' Vemos que o réu recebu quase a pena máxima (oito
anos), porém eu discordo da parte final da pena que permite que o réu volte a
exercer atividades ligadas ao atendimento de crianças e adolescentes após 13
anos e 4 meses, creio que após tais antecedentes, o réu deveria ser impedido
permanentemente de exercer tais atividades.
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