Entenda o Movimento da Legalidade, a luta pela
resistência democrática e constitucional
O ano era 1961. O mês, agosto, um mês sempre
recheado de surpresas. A Guerra Fria, confrontando Estados Unidos e União
Soviética, já mantinha forte influência em todo o mundo. No Brasil, um
governante polêmico, irônico, até certo pouco estranho, decide renunciar à
presidência da República, alegando “forças ocultas” até hoje não bem
explicadas.Era Jânio Quadros, o homem da vassourinha, que prometia varrer a
bandalheira, mas que conseguia mesmo era conturbar o cenário político nacional.
O vice-presidente João Goulart, conhecido
como Jango, gaúcho de São Borja, herdeiro político natural de Getúlio Vargas,
está em viagem à República Popular da China, um dos berços do comunismo. Sua
posse como presidente, após a renúncia, deveria ser automática, cumprindo a carta
magna. Mas não é bem assim.
A data é 25 de agosto, Dia do Soldado. O
então governador do Estado, Leonel Brizola, começa a pressentir que as forças
militares e conservadoras, capitaneadas pelas elites do centro do país, estão
arregimentando uma estratégia para dar um golpe de estado, assim como tentaram
em 1954, forçando Getúlio a tirar a própria vida.
O marechal Lott, derrotado por Jânio nas
eleições de 1960, divulga um manifesto firme em defesa da constituição e da
posse legítima do vice-presidente Jango. Rádios do Rio Grande do Sul que
divulgam o manifesto começam a ser fechadas. Prevendo que poderá ficar sem ter
como comunicar-se com a sociedade, Brizola requisita os transmissores da Rádio
Guaíba, a única ainda em funcionamento na capital.
Soldados da Brigada Militar, a pedido do
governador, vigiam as torres de transmissão, evitando a aproximação do
exército. Uma equipe técnica monta os equipamentos nos porões do Palácio
Piratini, de onde começam a ser transmitidas mensagens, discursos inflamados e
informações, 24 horas por dia. Mais de cem rádios espalhadas pelo Estado e pelo
país, unem-se e formam a Cadeia da Legalidade, mantendo o propósito de
resistência através das ondas do rádio (o meio de comunicação mais dinâmico e
utilizado na época).
Líderes políticos de todas as correntes e
vinculações partidárias, além de jornalistas e repórteres, refugiam-se no
palácio, que até mesmo sofre ameaças de ser bombardeado por caças da
aeronáutica, saindo da base de Canoas. Barricadas e metralhadoras são posicionadas
no teto e nos jardins do Piratini e na cúpula da catedral metropolitana.
Entendendo o apelo de Brizola, a sociedade
gaúcha sai às ruas. Jovens, mulheres, homens, pessoas de mais idade, todos
unidos, lotam a Praça da Matriz, em frente ao palácio, e não arredam o pé. Se
bombardearem o palácio, bombardearão o povo. Revólveres Taurus são distribuídos
à população, já pronta para uma guerra civil.
O general Machado Lopes, do III Exército,
sediado no Rio Grande do Sul, no primeiro momento cumpre as ordens do comando
militar nacional. Mas nos dias seguintes, entendendo que o movimento liderado
por Brizola é legítimo, se engaja na luta pela Legalidade, e coloca as forças
do Exército a disposição de João Goulart, garantindo e dando suporte ao retorno
de Jango ao país, entrando pelo nosso Estado.
Após tanta mobilização, que contou com o
apoio de outras lideranças espalhadas pelo país, com destaque para o governador
de Goiás, Mauro Borges, o vice-presidente Jango toma posse na presidência, no
dia 7 de setembro de 1961. Mas não da forma como Brizola gostaria. O Congresso
Nacional havia implantado o parlamentarismo, sendo que João Goulart não teria
os poderes que lhe eram de direito, tendo de governar ao lado de um
primeiro-ministro, o mineiro Tancredo Neves. Se o resultado não foi ao gosto de
Brizola, certamente o movimento liderado pelo governador foi fundamental para a
realização de um novo plebiscito, em 1962, que confirmou o desejo da população
no retorno ao presidencialismo.
Dessa forma, apenas em 1963, João Goulart
consegue tomar posse como presidente da República, legitimamente, podendo então
colocar suas idéias em ação. Sofre a pressão e a resistência das velhas forças
conservadoras da direita brasileira ao propor as reformas de base, que buscavam
democratizar o acesso à terra e realizar reformulações no campo econômico,
tributário, previdenciário, entre outros. O golpe, tentado em 1961, se
concretiza em março de 1964. Mas esse é assunto para outra história, pois 21
anos de ditadura não podem ser resumidos em apenas algumas poucas palavras.
Fonte: Portal Ijuí.Com. Texto
disponível em: http://www.ijui.com/regiao/24368-tres-passos-relembra-campanha-da-legalidade-nesta-segunda-e-terca.html
A "Rede da Legalidade no Interior Gaúcho" - em especial na cidade de Ijuí
Apresentamos aqui um trecho do trabalho
monográfico de Ângela Maria Zamin[1]
e Vera Lucia Spacil Raddatz[2],
sob o título “A Rede da Legalidade no Interior Gaúcho”, o qual encontra-se
disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=16&ved=0CFYQFjAFOAo&url=http%3A%2F%2Fwww.ufrgs.br%2Falcar%2Fencontros-nacionais-1%2F3o-encontro-2005-1%2FA%2520REDE%2520DA%2520LEGALIDADE%2520NO%2520INTERIOR%2520GAUCHO.doc&ei=xWqAUfSIEpen4AOJ0IGIAw&usg=AFQjCNFxfpsMf9Z8RYmOFIfpAgkryDaQLQ&sig2=EpOvptp2AVu6m0D_oOWAHQ&bvm=bv.45645796,d.dmg
O resumo do
excelente trabalho (que tem 16 páginas) diz o seguinte:
“O estudo propõe o resgate de como as emissoras de rádio do interior
gaúcho, em especial da região Noroeste, se posicionaram diante da constituição
da Rede da Legalidade em agosto de 1961, e, por conseqüência, verificar o
envolvimento que tiveram com o movimento desencadeado a partir dos porões do
Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. A pesquisa desenvolvida na disciplina
de Radiojornalismo II, do curso de Comunicação Social da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, passa por sete municípios
do interior, mais a capital, a partir da adesão das emissoras de rádio que, por
vezes contrariando interesses políticos, contribuíram para a defesa da
Constituição”
Reproduzimos aqui apenas o trecho no qual as autoras descrevem os
acontecimentos na cidade de Ijuí:
(.....)
A Legalidade na Região Noroeste Colonial
Prefeito Orlando Burmann |
No município de
Ijuí, distante 410 quilômetros da capital, a Rádio Progresso de Ijuí estava ao
lado dos interesses do prefeito municipal Orlando Burmann, um de seus
diretores. Burmann era do mesmo partido político de Brizola – o PTB e, anos
mais tarde, foram para o exílio no mesmo período no Uruguai. “Tínhamos o mando
nela (Rádio Progresso)[3] e
quando abriu lá a Cadeia ela imediatamente começou a fazer parte. Depois entrou
a Repórter e muitas outras passaram a transmitir. O serviço telefônico era
muito deficiente, faziam a ligação direta com a emissora da capital e entrava
na sintonia da emissora portoalegrense”[4].
Além da
Progresso, o município de Ijuí contava também com a Rádio Repórter, que,
segundo Sady Strapazon, era uma emissora identificada com a direita, ao
contrário da outra. “A Repórter era uma rádio muito conservadora, então só dava
algumas notícias e só o que o quartel permitia. Inclusive, o PTB tinha um
programa pago semanal na Repórter naquela época, e havia recomendações, desde
1961: vocês querem fazer o programa de vocês, fazem, mas primeiro tem que ser
revisado pelo quartel”.[5]
Brizola no Piratini |
Sady Strapazon, na época
vereador do PTB, destaca que pelo fato de Orlando Burmann ser muito amigo de
Brizola, recebeu avisos para ir preparando nesta região o pessoal caso houvesse
alguma coisa maior. “A Progresso tinha muita importância porque Orlando
comandava tudo e nas horas de folga era um dos redatores e ele dizia a verdade
nua e crua, o que estava acontecendo. Não pedia que alguém insurgisse contra
alguém”. [6]
Arno Burmann[7]
lembra que o 27º Grupo de Artilharia de Campanha, existente em Ijuí, encaminhou
armamentos, por meio da Viação Férrea, até Cruz Alta. De Santo Ângelo,
município vizinho a Ijuí, embarcaram tropas e material de suprimento. Em Porto
Alegre alistaram mais de 200 mil pessoas para a luta e aqui também, segundo
Burmann, houve voluntários. Quanto à presença do rádio em 1961 diz:
É preciso entender que uma
emissora de rádio tocando o dia inteiro aquelas marchas marciais... mexem com o
sujeito (...). O rádio era fundamental (...). A população estava obcecada por
aquele movimento, a Rede da Legalidade criou um estado de ânimo e de luta na
população. Depois o acordo feito (o parlamentarismo)[8]
foi rejeitado pela população; queriam a luta, porque entendiam que os militares
iam continuar lá como continuaram. Eu me convenci que o povo humilde, este está
sempre pronto pra luta[9].
Arlindo Kunzler
integrou a Rádio Difusora, de Três Passos[10],
à Rede da Legalidade por considerar o movimento voltado ao respeito a lei, além
de público e notório. Kunzler lembra que as rádios eram convidadas pelo comando
central e que não havia obrigação de aderir. Neste sentido, a Rádio Difusora
“limitou-se a retransmitir o comando central” [11],
uma vez que Arlindo Kunzler era politicamente contrário a Brizola[12].
Fontes Consultadas:
Obras consultadas ou entrevistas
realizadas (aqui também nos limitamos a citar apenas as fontes referentes a
cidade de Ijuí):
BARBIAN, Hilário. Rede da Legalidade. Ijuí, 22 jun. 2004.
Entrevista concedida ao jornalista André Schmidt da Rosa, da Rádio UNIJUÍ FM.
BURMANN, Arno. Legalidade em Ijuí. Ijuí, set. / out.
2004. Registro para pesquisa referente à Rede da Legalidade no interior gaúcho.
Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro
e José Roberto Scheuer.
BURMANN, Orlando. Rádio Progresso de Ijuí. Ijuí, set. /
out. 2004. Registro para pesquisa referente à Rede da Legalidade no interior
gaúcho. Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter
Ribeiro e José Roberto Scheuer.
STRAPAZON, Sady. Legalidade em Ijuí. Ijuí, out. 2004.
Registro para pesquisa referente à Rede da Legalidade no interior gaúcho.
Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro
e José Roberto Scheuer.
[1]
Jornalista, Especialista, Professora da UNIJUÍ – Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
[2]
Doutoranda, Professora da UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul
[3]
Acréscimo meu
[4]
Entrevista concedida por Orlando Burmann ao acadêmico José Roberto Scheuer, no
2º semestre de 2004.
[5]
Entrevista concedida aos acadêmicos Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro
e José Roberto Scheuer, em Ijuí, no 2º semestre de 2004.
[6] Idem.
[7] Arno
Burmann é irmão de Orlando Burmann. Entrevista concedida aos acadêmicos
Estefânia Linhares, Janaína Wachter Ribeiro e José Roberto Scheuer, em Ijuí, em
27 de set. de 2004.
[8]
Acréscimo meu.
[9] Idem 19.
[10] O município de Três Passos está a 463 quilômetros de Porto
Alegre.
[11]
Arlindo Kuzler era proprietário da Rádio Difusora em 1961. Entrevista concedida
a acadêmica Juliana Gomes, em Três Passos, no 2º semestre de 2004.
[12] Idem 23.
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